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3 de dez. de 2015

Seminário sobre : vida,morte e ressurreição

*Obs: O que vocês lerão a seguir é o mais aprofundado estudo sobre o tema em toda a internet e é fruto de anos de estudo e trabalho, estando contido em meu livro: “A Lenda da Imortalidade da Alma”.


INTRODUÇÃO À PARÁBOLA

Um argumento bastante usado pelos dualistas é de que não se trata de uma parábola, pois ela possui nomes. Ora, isso é totalmente compreensível pelo fato de que os judeus colocavam Abraão acima de Jesus“Nosso pai é Abraão ... És maior do que o nosso pai Abraão?” (cf. Jo.8:39,53; Mt.3:9). O que simplesmente Jesus faz é pôr na boca Abraão exatamente as palavras que ele teria dito em pessoa: “Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tão pouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos” (cf. Lc.16:31).

Para isso é evidente que teria que citar nomes. Além disso, não há absolutamente nenhuma regra que obrigue que uma parábola não tenha nomes. Jesus contou parábolas sem precisar dizer para as pessoas: “Atenção, isso é uma parábola...”! A parábola do rico e do Lázaro fica entre parábolas, como podemos ver a seguir:

CAP.14 DE LUCAS – A PARÁBOLA DA GRANDE FESTA
CAP.15 DE LUCAS – A PARÁBOLA DA OVELHA PERDIDA
CAP.15 DE LUCAS – A PARÁBOLA DA MOEDA PERDIDA
CAP.15 DE LUCAS – A PARÁBOLA DO FILHO PRÓDIGO
CAP.16 DE LUCAS – A PARÁBOLA DO ADMINISTRADOR DESONESTO
CAP. 16 DE LUCAS – A ******** DO RICO E LÁZARO
CAP.17 DE LUCAS – A PARÁBOLA DO EMPREGADO
CAP.18 DE LUCAS – A PARÁBOLA DA VIÚVA E DO JUIZ

Nisso fica claro que a história tratava-se realmente de uma parábola. A parábola diz que "havia também certo mendigo, chamado Lázaro, coberto de chagas, que jazia à porta daquele; e desejava alimentar-se das migalhas que caiam da mesa do rico; e até os cães vinham lamber as úlceras" (cf. Lc.16:20,21). Igualmente, vemos que o homem rico da parábola não era apenas rico, mas vaidoso e se vestia do melhor daquilo que podia usufruir: "púrpura e linho finíssimo" (cf. Lc.16:19). Ele “todos os dias se regalava esplendidamente” (cf. Lc.16:19), ou seja, era de absolutamente alta classe.

Ponderamos: onde é que você já viu um banquete de alta classe de um rico que permitisse que um mendigo cheio de chagas ficasse sentado à sua porta, e que, além disso, ainda deixava que comesse das migalhas de sua mesa? Se isso já é uma possibilidade altissimamente improvável nos nossos dias, isso era completamente  impossível de acontecer naquela sociedade judaica.

O rico de jeito nenhum iria permitir que os seus visitantes (também ricos tais como ele) passassem pela porta com um mendigo, que, além disso, ainda estava coberto de chagas, em uma doença contaminosa, possivelmente a própria lepra, comum naqueles dias. Isso não faz a personalidade de um judeu rico daquela época (muito menos um que teria sido mandado para o inferno em seguida). Como se esse cenário não fosse suficientemente improvável, ainda vemos também cachorros que lambiam as suas chagas! Quando vemos tal cenário, vemos que isso era impossível!

Tratava-se somente de uma história que Jesus criou do mesmo modo que ele criou outras histórias (parábolas) com uma lição moral a ser dela retirada. E, de fato, Cristo tinha um ponto muito importante para chamar a atenção de seus ouvintes, como veremos mais adiante. Para isso ele usava uma parábola, como é a do rico e do Lázaro. Cristo não precisava dizer: “Olha, gente, isso é uma outra parábola”; pelo simples fato de que ele “nada lhes dizia sem usar alguma parábola (cf. Mt.13:34).

Em Lucas 12:41 os seus discípulos interpretaram um ensinamento de Cristo como sendo uma parábola,mas em lugar nenhum vemos Cristo dizendo que aquilo era uma parábola (ver Lucas 12:35-41). Os seus discípulos sabiam que ele lhes falava por meio de parábolas ao contar histórias, e não precisavam questioná-lo quanto a isso, muito menos quando tal história localiza-se exatamente no meio de outras histórias parabólicas! O mesmo quadro ocorre em Mateus 7:17, quando os seus discípulos interpretam os seus ensinos como sendo uma parábola (cf. Mt.7:15-17), embora em lugar nenhum Cristo tenha feito qualquer questão de mencionar que aquilo tratava-se realmente de uma parábola.

Em outra ocasião, em Mateus 15:14, Pedro identifica um ensinamento de Cristo como sendo uma parábola, embora em lugar nenhum Jesus tenha feito questão de ressaltar que aquilo era mesmo uma parábola, e em Lucas 6:39 o evangelista conta o mesmo ensinamento mas omite que aquilo tratava-se de uma parábola. Se Lucas conta o mesmo relato encontrado em Mateus e não diz que se tratava de uma parábola (sendo que em Mateus está bem claro que era), então vemos que Lucas citava parábolas de Cristo sem necessariamente afirmar estar se tratando de uma parábola. Mas se toda vez que Cristo contasse parábolas tivesse que haver a menção de que aquilo é uma parábola, então Mateus entraria em contradição com Lucas, pois ambos contam a mesma história, mas um diz que é uma parábola e o outro não diz nada!

Do mesmo modo, em Lucas 5:36 o autor diz que Cristo dizia uma parábola aos seus seguidores, mas em Marcos 2:21 a mesma história aparece sem qualquer menção de estar ligada a uma parábola. Tudo isso nos faz ter a certeza de que, realmente, Jesus ensinava aos seus discípulos por meio de parábolas, que não tem qualquer necessidade de serem mencionadas como tal. Se até mesmo nestes contextos os seus discípulos sabiam que aquilo era parábola, mesmo sem ninguém ter dito expressamente que era uma, quanto mais quando vemos que tal história parabólica de Lucas 16 está exatamente entre várias outras parábolas que Jesus estava contando!

Se você está contando várias piadas numa roda de amigos, não precisa repetir o tempo todo que ao término de uma você estará iniciando outra piada. Todos já saberão disso. Da mesma forma, se Cristo estava contando várias parábolas uma em seguida da outra, era completamente desnecessário dar um aviso de alerta avisando que aquilo era parábola e não um relato real. Isso já era simplesmente óbvio. Os únicos que não conseguem entender isso são os imortalistas, que por não compreenderem nem o contexto nem o significado de uma parábola precisam ignorar tudo isso e fazerem de conta de que não é parábola, é realidade, e de que, se não fosse uma história real, Jesus precisaria ter parado a conversa, avisado que era outra parábola, e só assim eles ficariam satisfeitos!

Ademais, vários detalhes na parábola nos mostram que aquilo não era um relato real, mas uma ficção. Por exemplo, veremos que o rico possui um corpo físico com língua e todos os outros membros do corpo, que ele sentia sede, que precisava beber água, que conseguia conversar com quem estava no Céu mesmo enquanto queimava em meio às chamas de fogo, dentre outros tantos fatos que nos mostram claramente que tudo aquilo não passava de mera parábola assim como todas as outras, cuja significância estava baseada no ensinamento moral por trás dela, e não no relato em si como sendo algo literal. Veremos que uma parábola nunca, jamais e em circunstância alguma pode ser fundamentada como regra de doutrina pelos seus meios parabólicos.


PARÁBOLAS NÃO TÊM MEIOS LITERAIS

É mais especificamente neste ponto que colocamos um fim na superstição de que existe um estado intermediário das almas porque os meios de uma parábola tem que ser literais. É aí que muita gente se engana: parábolas não necessitam de meios literais, ao contrário, apresentam uma lição moral valiosa por detrás de meios não necessariamente literais. Uma prova muito forte disso é o simples fato de que Jesus contou muitas parábolas, e se fôssemos tomar literalmente todos os meios que ele usa, iríamos encontrar inúmeros “absurdos”.

Por exemplo: neste mesmo contexto da parábola do rico e Lázaro há a parábola do administrador desonesto (cf. Lc.16:1-12). Veja o que o verso 8 diz: O senhor elogiou o administrador desonesto, porque agiu astutamente. Pois os filhos deste mundo são mais astutos no trato entre si do que os filhos da luz” (cf. Lc.16:8). Analisando a parábola literalmente, poderíamos chegar à infeliz conclusão de que Cristo aprovava a administração desonesta. Contudo, ele não estava incentivando a prática de administração desonesta, até mesmo porque em parte alguma a Bíblia aprova tal prática, mas a lição moral da parábola não é sobre administrar desonestamente (cf. Lc.16:9). Os meios da parábola não são reais e não influenciam sua lição moral!

Do mesmo modo, Jesus contou uma parábola sobre o dever de orar sempre e nunca desfalecer (cf. Lc.18:1-8). Nela, o juiz (que representa Deus, aquele que atende as nossas orações) é tratado como“um homem mau que nem ao homem respeitava” (cf. Lc.18:2). É óbvio que o que Cristo queria realmente ensinar não era que Deus é um homem mau, mas sim que se até um homem mau atende aos nossos pedidos, quanto mais o nosso Pai que está no Céu nos atenderá (que não é mau coisa nenhuma, mas poderíamos chegar a essa conclusão caso tomássemos os meios dessa parábola como reais). Novamente, vemos uma lição moral (de orar sempre e nunca desfalecer) sendo ensinada através demeios não reais/literais.

A mesma coisa veremos que sucede também na parábola do rico e Lázaro. Uma lição moral (de advertência à incredulidade dos fariseus e às tradições da época) sendo ensinada através de meios não reais/literais. Essa é uma regra comum em todas as parábolas, que os imortalistas só não admitem que possa valer também para Lucas 16:19-31, porque implicaria em abrir mão de uma das únicas passagens bíblicas que supostamente favoreceriam a doutrina grega da imortalidade da alma.

Em outra parábola, Deus é retratado como “um homem severo que ceifas onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste” (cf. Mt.25:24). Diante do contexto, este “homem” é Aquele que distribui os dons (talentos) aos homens e a quem nós devemos prestar contas um dia. Quem ele é? Óbvio: Deus. Mas será que Deus é “um homem severo que ceifa onde não semeou e ajunta onde não espalhou”? Claro que não. Tomemos os meios de uma parábola como reais e mudamos totalmente a visão de um Deus de amor e justiça que a Escritura nos revela do início ao fim!

Vejam que curioso: se tomarmos os meios dessa parábola como reais, todo o conceito de Deus apresentado em toda a Escritura muda. Da mesma forma, se tomarmos a parábola do rico e Lázaro como literal, todo o conceito sobre a natureza humana e seu destino pós-morte apresentado em toda a Escritura muda. Mas no primeiro caso os imortalistas aceitam facilmente que se trata de meros meios não-literais e irreais característicos de uma parábola, enquanto que no segundo caso não aceitam de jeito nenhum, pois estão presos em seus sofismas sobre a existência de uma alma imortal e precisam se apegar a todo e qualquer custo a passagens claramente parabólicas como a de Lucas 16 para fundamentar as suas teses!

Tome também, por exemplo, outro meio de parábola contada por Cristo: Então o senhor disse ao servo: Vá pelos caminhos e valados e obrigue-os a entrar, para que a minha casa fique cheia” (cf. Lc.14:23). Será que as pessoas são forçadas a entrar no Céu, sendo obrigadas a isso, contra a vontade delas? É claro que não, pois Deus nos concedeu o livre arbítrio. Ninguém é obrigado ou forçado por Deus a ser salvo, pois a salvação é algo que implica em perseverança (nossa) até o fim (cf. Mt.24:13), ninguém vai pro Céu contra a sua própria vontade.

Mas se as parábolas são reais em seu todo e seus meios são apresentados literalmente, então somos obrigados a entrar no Reino de Deus, não há escapatória, seremos salvos querendo ou não! O que é mais razoável de se aceitar? Que Deus nos obriga a entrar em Sua casa, ou que as parábolas não possuem meios reais, mas apenas uma verdade moral por detrás de um ensinamento com meios simbólicos?  

Evidentemente que as parábolas não tem meios literais, jamais podemos fundamentar uma doutrina bíblica sustentada por meios de parábolas. Se dissermos que a parábola de Lucas 16 (do Rico e do Lázaro) obrigatoriamente tem que ter meios reais e literais, consequentemente as demais parábolas de Cristo também devem ter meios reais e literais. Por que a parábola do rico e Lázaro teria que ser exatamente a única exceção à regra? Será que é porque somente deste jeito que os imortalistas conseguem sustentar a doutrina da imortalidade da alma baseando-se em tal parábola?

Ora, se fôssemos literalizar a parábola, encontraríamos, como vimos, uma série de problemas e contradições de primeira ordem à frente. As parábolas não podem jamais serem tomadas literalmente pelos seus meios, pois se fosse assim deveríamos chegar à infeliz conclusão de que Deus é um juiz mau e que não respeita ao homem, que é um homem severo que planta aonde não semeou, que aprova a prática de administração desonesta e que obriga as pessoas a entrarem no Céu!

É óbvio que Deus não é nenhuma dessas coisas porque as parábolas nunca podem ser tomadas literalmente – em circunstância nenhuma – mas devemos retirar delas a sua lição moral. O mesmo deve ser dito também com relação à parábola do rico e do Lázaro. Qual é a sua lição moral? Ela se encontra no verso 31:

“Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tão pouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos” (cf. Lucas 16:31)

Vemos, portanto, que a lição moral da parábola contada por Cristo em Lucas 16:19-31 em nada tem a ver com a imortalidade da alma, mas, ao contrário, tem relação com a incredulidade dos fariseus em rejeitarem os ensinamentos de Cristo – nem sequer uma ressurreição os faria persuadir. Quando tratamos de descrições bíblicas claras e reais (não em textos parabólicos ou simbólicos), os meios são necessariamente reais e literais ao todo. Contudo, isso não acontece quando estamos tratando de uma parábola. Parábola não necessita de meios reais, mas sim de lições morais que levam o ouvinte à reflexão. O principal problema daqueles que pregam a existência da alma imortal é não saberem ao certo o que é uma parábola:

PARÁBOLA
Acepções 
substantivo feminino
narrativa alegórica que transmite uma mensagem indireta, por meio de comparação ou analogia
1.1 narrativa alegórica que encerra um preceito religioso ou moral, esp. as encontradas nos Evangelhos
Ex.: a p. do filho pródigo

Vejamos então o significado de alegoria:

ALEGORIA
Acepções
substantivo feminino
1 modo de expressão ou interpretação us. no âmbito artístico e intelectual, que consiste em representar pensamentos, ideias, qualidades sob forma figurada e em que cada elemento funciona como disfarce dos elementos da ideia representada.

Como o próprio dicionário atesta, parábolas são estórias de ficção, que Jesus frequentemente empregava para ensinar alguma coisa aos seus ouvintes. Parábolas não são e nem nunca foram histórias contadas com a intenção de passar meios reais. Se fosse assim, não faria uso de uma parábola. Parábola é quando o autor utiliza-se de meios ou cenários quaisquer, sem a obrigatoriedade de serem verdadeiros ou literais, para ensinar uma lição moral por finalidade, mediante a metaforização ou personificação de personagens inanimados, como é o caso da conversa entre árvores registrada em 2ª Reis 14:9.

Isso nós podemos ver ao longo de várias parábolas contadas por Cristo, que claramente não são fatos reais – são parábolas. Por exemplo, é extremamente improvável que houvesse um homem que vendeu todos os seus bens para comprar uma pérola de grande valor (cf. Mt.13:46), pois isso não faria sentido. Também não houve um administrador infiel elogiado pelo seu senhor (cf. Lc.16:8). Da mesma forma, Cristo também afirmou sobre ter de arrancar os olhos ou cortar pernas e braços para entrar no Reino dos céus. Será que por isso no Reino haverá caolhos, manetas e pernetas – tudo isso literalmente? É claro que não. Tudo isso é obviamente uma linguagem altamente metafórica, tanto quanto a parábola  do rico e do Lázaro.

Mais ainda que isso, uma outra prova fatal que nos faz concluir que Cristo não estava como finalidade dado uma aula sobre o estado dos mortos, é o fato de que nem mesmo as palavras “alma-psiquê” ou “espírito-pneuma” aparecem nesta parábola. Pelo contrário, o rico possuía um corpo físico com dedo, língua e que sente calor e pede água para matar a sede (cf. Lc.16:24). A própria sede é uma característica do corpo, e não de um espírito “imaterial”, “fluídico”.

Um espírito desprovido de corpo não tem nada disso, e a Bíblia diz que nós só teremos um corpo novamente após ressurgirmos dos mortos (cf. 1Co.15:42-44). Jesus disse claramente que um espírito não tem nem carne e nem ossos (cf. Lc.24:39). Será que Cristo se enganou dizendo que o rico possuía língua no Hades ou os corpos dos personagens foram parar no Hades por engano?Nenhuma das duas, era mera parábola: não exigia meios reais! Se o objetivo de Cristo ao contar esse parábola fosse exatamente anunciar a imortalidade da alma, então seria completamente indispensável a menção de “almas” ou de “espíritos” deixando o corpo e partindo para o “além”.

Contudo, os personagens ali citados vão com os seus corpos para o Hades, tudo nos mostra que o que aconteceu foi a personificação de personagens inanimados e, por este motivo, não eram os “espíritos” que desciam ao Hades, mas sim os próprios corpos.

Como bem assinalou o doutor Samuelle Bacchiocchi: Os que interpretam a parábola como uma representação literal do estado dos salvos e perdidos após a morte defrontam problemas insuperáveis. Se a narrativa for uma descrição real do estado intermediário, então deve ser verdadeiro em fato e coerente em detalhe. Contudo, se a parábola for figurada, então somente a lição moral a ser transmitida deve nos preocupar. Uma interpretação literal da narrativa se despedaça sob o peso de seus próprios absurdos e contradições, como se torna evidente sob exame detido” [“Immortality or Resurrection?”]

A questão aqui é muito simples: se a intenção de Cristo em contar essa parábola fosse de alguma forma fazer uma descrição fiel do atual estado dos mortos, então é óbvio que os personagens estariam no Hades em forma de espíritos incorpóreos, e não com os próprios corpos físicos, como um exame da parábola nos indica claramente. O fato de eles estarem lá com seus próprios corpos prova inequivocadamente que o que ocorreu neste caso nada mais foi senão a personificação de personagens inanimados, o que é muito comum na Bíblia. Corpos já mortos foram personificados e ganharam vida dentro de um contexto parabólico, isto é, de uma estória alegórica para ensinar alguma lição moral como finalidade.

O que ocorreu, portanto, não foi uma descrição do atual estado dos mortos como “espíritos incorpóreos” em um estado intermediário entre a morte e a ressurreição, mas sim a personificação de corpos mortos como se estivessem vivos, e do que aconteceria neste contexto parabólico. Tanto quanto a linguagem parabólica da conversa entre árvores em 2ª Reis 14:9 não significa que as árvores realmente conversam entre si, a parábola do rico e Lázaro não prova que espíritos incorpóreos mantém consciência no pós-morte, mas apresenta a mesma personificação de personagens inanimados que ocorre tanto em 2ª Reis 14:9 como em diversas outras ocorrências bíblicas num mesmo contexto alegórico ou parabólico.

Isso também é constatado pelo fato de que o rico pede que joguem um pingo água para molhar a sua língua, enquanto ele queimava em meio às chamas! Além da sede literal (por água) ser uma característica corporal (e não de um “espírito”, como anjos ou demônios, por exemplo), de que serviria um “dedo” molhado “em água” para aliviar tamanhos rigores extremos de um fogo devorador e literalmente verdadeiro que o rico estaria passando naquele exato momento e também por toda a eternidade?

Ademais, a própria parábola diz que havia um abismo muito grande entre ambas as partes, motivo pelo qual o rico não podia ser molhado com água. Contudo, ele conversava com Abraão como se estivesse face-a-face com ele! Ora, se ele conversava tão perfeitamente com Abraão, então ele também poderia perfeitamente ser molhado com água, pois a distância assim o permitiria.

E será possível compreender absolutamente o que cada pessoa da cena diz sendo que neste mesmo cenário havia um barulho horrivelmente aterrorizante de fogo em atividade e milhões ou bilhões de pessoas queimando e gritando aos prantos naquele mesmo momento? Quem iria compreender o que alguma pessoa fala em tal cenário? Como se tudo isso não fosse suficientemente claro, será que no Reino poderemos conversar com os não-salvos enquanto eles queimam em meios às chamas? Pois, pela parábola, tal comunicação entre os salvos e os não-salvos seria perfeitamente plausível.

Poderíamos, caso tomássemos os meios da parábola como literais, ver e conversar com os nossos parentes não-salvos enquanto eles queimam no inferno! Certamente bater papo com alguém nestas condições e neste cenário, é uma terrível falta de bom senso. Os que não forem salvos jamais poderão se unir novamente com os que forem salvos (por meio de uma conversa, por exemplo), pois a morte significa a separação total entre ambos os grupos. É isso o que também é ilustrado nesta parábola.

Não, meus amigos, definitivamente não foi o estado dos mortos que foi ilustrado nesta parábola, não houve nenhuma descrição de “estado intermediário” algum, mas apenas e tão somente a personificação de personagens inanimados ganhando vida (típico de parábola), em um cenário corrente na época, como veremos mais a seguir. Com toda a clareza, os imortalistas que insistirem em admitir a parábola do rico e Lázaro como sendo “prova” do dualismo platônico na Bíblia, encontrarão tamanhos dilemas insuperáveis pela frente a tal ponto de terem que reformular toda a sua teologia acerca de como é o pós-morte.

Outro fato que ajuda ainda mais a derrubarmos a má interpretação dos dualistas é o lugar para onde teria ido o rico:

“E, no Hades, viu Abraão e Lázaro, em seu seio” (cf. Lucas 16:23)

A clareza da linguagem é evidente: o rico estava no Hades. E é a partir desta parábola que surge a idéia de que todos os “espíritos” desencarnados vão para o Hades após a morte, com divisão para justos e ímpios. Ora, qual doutrina básica da fé cristã que tem por base uma parábola? Nenhuma. Mas a parábola do rico e Lázaro (como única suposta “descrição” do “estado intermediário” encontrada na Bíblia) obrigatoriamente tem que ser literalizada e fundamentada como doutrina bíblica (para eles).

Afinal, a maior base da doutrina imortalista é justamente os meios de uma parábola, em que os corpos descem junto para o “estado intermediário” conversar com os que já morreram enquanto se queimam entre as chamas. Pasme! Mas, mesmo que este fosse o caso, a História nos mostra que o Hades, como um local de tormento em que o rico estava, é de origem totalmente pagã, e não bíblica. Veremos a seguir onde nasceu o Hades e como entrou de braços abertos na doutrina imortalista.


A ORIGEM PAGÃ DO HADES

Na literatura hebraica, o Sheol (transliterado para “Hades” no grego), não era um local de habitação de espíritos vivos e conscientes em estado desencarnado. Já vimos que os autores do Antigo Testamento não tinham a mínima ideia de vida consciente antes da ressurreição, muito menos de almas imortais ou espíritos em um estado intermediário.

A vida pós-morte na visão do Antigo Testamento era que os mortos não louvam a Deus (cf. Isaías 38:19; Salmos 6:5), não sabem de nada (cf. Eclesiastes 9:5), valem menos do que um cachorro vivo (cf. Eclesiastes 9:4), sua memória jaz no esquecimento (Eclesiastes 9:5), não tem lembrança de Deus (cf. Salmos 6:5), não confiam na fidelidade de Deus (cf. Isaías 38:18), não falam da Sua fidelidade (cf. Salmos 88:12), estão numa terra de silêncio - e não de gritaria do inferno ou de altos louvores do Céu (cf. Salmos 115:17), não podem ser alvos de confiança (cf. Salmos 146:3), não pensam (cf. Salmos 146:4), não tem proveito nenhum para Deus depois de morto (cf. Salmos 30:9), são comparados com o pó (cf. Salmos 30:9), etc.

Mesmo assim, eles falavam constantemente em Sheol (Hades), como o local para onde vão os mortos. Algumas referências são: Jó 7:9, Salmos 18:5, Salmos 86:3, Salmos 139:8, Provérbios 30:16, Gênesis 37:35, Eclesiastes 9:10, entre outros. Ora, como podem os escritores do Antigo Testamento desacreditarem completamente no estado intermediário mas falarem tanto no Sheol? É evidente que, para eles, Sheol estava longe de ser um local de habitação consciente de espíritos incorpóreos, mas era meramente uma figura para a sepultura.

Na passagem de Malaquias (último livro do AT) para Mateus (o primeiro do NT) há um período de quatrocentos anos (conhecido como “período intertestamentário”). Neste período é que os hebreus estiveram dispersos para as nações influenciadas pelo dualismo grego que estabelecia nelas uma forte ligação ética, cultural, social e filosófica, por meio da doutrina helenista. Tais filosofias correntes na Grécia Antiga (especialmente a amplamente difundida doutrina da “imortalidade da alma”) acabaram entrando no judaísmo helenista.

Tal impacto do helenismo sobre o judaísmo é evidente em muitas áreas, incluindo na adoção do dualismo grego por algumas obras literárias judaicas (inclusive vários “livros apócrifos”) produzidas nessa época.De acordo com os professores Stephen L. Harris e James Tabor, Sheol é um lugar de “vazio” que tem suas origens na Bíblia Hebraica e no Talmud:

"Seres humanos, como os animais do campo, são feitos de ‘pó da terra’ e na morte eles retornam ao pó (Gênesis 2:7; 3:19). A palavra hebraica Alma (Nephesh, Psyche), tradicionalmente traduzida por ‘alma viva’, mas mais adequadamente compreendida como ‘criatura vivente’ é a mesma para todas as criaturas viventes e não se refere a nada imortal... Todos os mortos descem ao Sheol, e lá eles jazem no sono juntos. Seja bom ou mau, rico ou pobre, escravo ou liberto (Jó 3:11-19). Ele é descrito como uma região ‘escura e profunda’, ‘a cova’, e ‘a terra do esquecimento’, interrupção da vida (Salmos 6:5; 88:3-12). Se se encara situações extremas de sofrimento no mundo dos vivos acima, como aconteceu com Jó, o Sheol pode ser visto como um alívio bem-vindo à dor - basta ver o terceiro capítulo de Jó. Mas, basicamente, ele é um tipo de ‘nada’ (Salmo 88:10)”.

Harris partilha observações similares em seu “Compreendendo a Bíblia”, e acentua o fato de que houve uma associação com as religiões pagãs no período helenista que modificou o real significado de “Sheol” bíblico: Quando os escribas judeus helenistas traduziram a Bíblia para o grego, eles usaram o termo ‘Hades’ para traduzir Sheol, trazendo uma associação mitológica completamente nova à ideia de existência póstuma. Nos mitos da Grécia Antiga, o Hades, nomeado a partir da deidade sombria que o reinava, era originalmente similar ao Sheol hebraico, um submundo escuro no qual todos os mortos, a despeito do mérito individual, eram indiscriminadamente colocados" (Grifo meu)

Esta é uma verdade indiscutível: o Sheol estava longe de ser uma habitação consciente de espíritos. Contudo, houve uma associação mitológica com as filosofias gregas (de imortalidade da alma). Em outras palavras, o sentido bíblico de Sheol foi totalmente deturpado pelo sincretismo com a mitologia pagã. Na mitologia grega o mundo dos mortos, chamado apenas de Hades, era o local no subterrâneo para onde iam as almas das pessoas mortas (sejam elas boas ou más), guiadas por Hermes, o emissário dos deuses, para lá tornarem-se sombras. É um local de tristeza. No fim da luta dos deuses olímpicos contra os Titãs (a Titanomaquia), os deuses olímpicos saíram vitoriosos.

Então, Zeus, Posídon e Hades partilharam entre si o universo: Zeus ficou com os céus e as terras, Posídon ficou com os oceanos e Hades ficou com o mundo dos mortos. Os titãs pediram socorro a Érebo do mundo inferior; Zeus, então, lançou Érebo para lá também, assim tornou-se a noite eterna do Hades (Érebo também é outra designação do mundo inferior). Das Idades do Homem e suas raças, a raça de bronze, raça dos heróis, e a raça de ferro vão para o Hades após a morte.

Este sincretismo com as religiões pagãs que resultou em uma aplicação totalmente diferente de Sheol/Hades: a de um local no subterrâneo para onde vão as almas das pessoas mortas (sejam elas boas ou más), no “Mundo dos Mortos”, denominado Hades. Querendo ou não, gostado ou não, é uma clara deturpação imortalista do que realmente é o Sheol. Tirando os maiores absurdos, que jamais seriam assumidos pelos cristãos (como, por exemplo, o fato de serem guiadas por Hermes, o emissário dos deuses, ou dos Titãs pedirem a ajuda de Érebo), a essência pagã de Hades, como um local de habitação de espíritos, foi absorvida da mitologia pagã direto para a teologia bíblica dos imortalistas.


O QUE É O SHEOL?

Como já vimos acima, antes da mitologia pagã se infiltrar dentro dos moldes do Cristianismo, Sheol era puramente sepultura. É claro que a sua aplicação varia de passagem a passagem, mas nunca no sentido mitológico de “habitação de espíritos”. O Sheol bíblico é um local de silêncio, e não de gritaria do inferno:

“Os mortos, que descem à terra do silêncio, não louvam a Deus, o Senhor” (cf. Salmos 115:17)

“Se o Senhor não fora em meu auxílio, já a minha alma habitaria no lugar do silêncio” (cf. Salmos 94:17)

Mais claro ainda é o Salmo 94:17, que diz de forma enfática que o que habita no silêncio é a própria alma, derrubando a toda e qualquer tentativa de vulgarizar o termo como se fosse “silêncio somente para o corpo”. O salmista sabia muito bem que o local para onde iria após a morte seria de silêncio, e não de louvores entre os salvos ou de gritaria do inferno. Convenhamos: qual é o lugar do “silêncio” que o salmista fala? Claramente a sepultura. O local para onde a alma vai após a morte (cf. Sl.94:17), em estado de total inconsciência (cf. Ec.9:5,6; Ec.9:10; Sl.146:4; Sl.6:5; Sl.30:9; Sl.88:12). Outra prova clara de que os hebreus do Antigo Testamento sabiam muito bem que Sheol não era inferno, mas sim sepultura, é Jacó enterrando o seu filho José:

“E levantaram-se todos os seus filhos e todas as suas filhas, para o consolarem; ele, porém, recusou ser consolado, e disse: Na verdade, com choro hei de descer para meu filho até o Sheol. Assim o chorou seu pai” (cf. Gênesis 37:35)

Jacó evidentemente ainda não sabia que na mitologia pagã grega (de imortalidade da alma) o Hades ficava no centro da Terra. Jacó foi cavando até o inferno para enterrar o seu filho José? Não, Jacó sabia muito bem que Sheol era puramente sepultura. Ele sabia disso porque essa era a crença da época, o sentido puro de Sheol.

Ademais, Jacó foi enterrar o corpo morto de José e não uma alma ou espírito incorpóreo. Sheol não é um local de espíritos sem corpo, mas sim de corpos mortos. Sheol é claramente identificado como sendo sepultura, o pó da terra. Outras inúmeras passagens nos trazem um sentido completo de que Sheol não era habitação consciente de espíritos desencarnados. Alguns exemplos, por exemplo, podem ser encontrados em Jó e em Salmos:

Porventura não são poucos os meus dias? Cessa, pois, e deixa-me, para que por um pouco eu tome alento. Antes que eu vá para o lugar de que não voltarei, à terra da escuridão e da sombra da morte” (cf. Jó 10:20,21)

Será que fazes milagres em favor dos mortos? Será que eles se levantam e te louvam? Será que no Sheol ainda se fala do teu amor? Será que naquele lugar de destruição se fala da tua fidelidade? Será que naquela escuridão são vistos os teus milagres? Será que na terra do esquecimento se pode ver a tua fidelidade?” (cf. Salmos 88:10-12).

Como podemos ver, a terra era claramente descrita como uma “escuridão”. Ora, se o Hades é um local de tormento, com fogo e tudo, então o fogo remeteria à luminosidade. O local não seria nem lugar de “escuridão” e muito menos lugar de “densas trevas”. Onde há fogo, há luz. Essa descrição do Sheol bíblico anula a concepção pagã em um Hades cheio de fogo e espíritos vivos ali queimando.

O Salmo 49:14 também deixa claro que até as ovelhas vão para o Sheol na morte: “Como ovelhas são postas na sepultura [Sheol, no original hebraico]...” (cf. Sl.49:14). É óbvio que o Sheol é apenas o pó da terra, o destino de todas as criaturas viventes. Jó também nos esclarece que o Sheol bíblico está longe de ser morada de espíritos queimando em meio às chamas, ao dizer que naquele lugar ele “já agora repousaria tranquilo; dormiria, e, então, haveria para mim descanso... Ali, os maus cessam de perturbar, e, ali, repousam os cansados; os prisioneiros também desfrutam sossego, já não ouvem mais os gritos do feitor de escravos” (cf. Jó 3:13,17,18).

Já não se ouve mais gritos, algo inconcebível caso Jó tivesse a ideia de que aquele local era um lugar de tormento ou de gritos de espíritos em meio às chamas. Também no livro de Eclesiastes, lemos: “Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças; porque no além [Sheol], para onde tu vais, não há obra, nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma” (cf. Ec.9:10). Como se não fosse suficientemente claro o fato de que no Sheol não há obra, nem projeto, nem conhecimento, e nem sabedoria, o salmista afirma que “quem morreu não se lembra de ti; e no Sheol quem te louvará?” (cf. Sl.6:5). É evidente que no Sheol não se pode louvar a Deus. Fica a pergunta: que tipo de “espírito” que é salvo e vai para este lugar sem poder louvar a Deus?

A palavra usada em Eclesiastes 9:10 com relação ao Sheol é que não há chokmah [inteligência, razão]. Morre o homem e o ser racional se vai. Não há inteligência, não há consciência. Biblicamente, Sheol não é, e nunca foi, uma morada de espíritos vivos e conscientes em alegria ou em tormento com fogo. O maior (e talvez o único) argumento dos imortalistas para tentar negar que Sheol em sua aplicação é o mesmo que “sepultura”, é o fato de que os hebreus possuíam uma palavra própria para “Sheol” e para “sepultura”.

Este argumento, contudo, é falacioso, além de ignorar todas as provas e evidências bíblicas, sendo nulo e sem sentido. Por exemplo: nós temos em nossa língua as palavras “exterminar” e “aniquilar”, não temos? Sim, temos. Mas na prática exterminar e aniquilar é o mesmo. No dicionário existem inúmeras palavras sinônimas, sem de modo algum uma delas invalidar a outra ou exigir dela um significado distinto. O mesmo pode ser dito quanto ao Sheol. Uma vez que a Bíblia negue enfaticamente que o Sheol possa ser uma habitação consciente de espíritos desencarnados, logo ele não é.

Sheol é o sentido figurado de sepultura, tendo a mesma aplicação prática desta, é o “mundo dos mortos”, não como um local de habitação de espíritos conscientes, mas de almas mortas (cf. Nm.31:19; 35:15,30; Js.20:3,9; Gn.37:21; Dt.19:6,11; Jr.40:14,15; Jz.16:30; Nm.23:10), em local de total silêncio (cf. Sl.115:17; Sl.94:17), e em estado de total inconsciência (cf. Sl.146:4; Sl.6:5; Ec.9:5,6; Ec.9:10).

No caso da revolta de Coré, por exemplo, relatada em Números 16, a terra “abriu a sua boca” e os seus seguidores “desceram vivos ao Sheol” (cf. Nm.16:30; Nm.16:33). Seria extremamente inimaginável pensarmos que a terra abriu a boca para eles caírem até o centro da terra onde ficaria o Sheol, sendo que no meio dessa queda os seus corpos foram transformando-se automaticamente em espíritos desencarnados. A evidência aqui é tão forte que os próprios imortalistas admitem que Sheol aqui significa o pó da terra, corpos físicos sendo esmagados pela força da natureza através da ação divina (embora eles afirmem que este caso é uma “exceção”, o que vemos que não – é a regra!).

Obviamente que o que aconteceu realmente é que a terra abriu a boca e os tragou enquanto ainda estavam vivos, descendo para a “cova” (ou “pó”), o que mostra a total correspondência entre estes dois termos. Mais forte ainda do que isso é o paralelismo evidente que constatamos em Jó: “Descerá ela às portas do Sheol? Desceremos juntos ao ?” (cf. Jó 17:16). Aqui vemos Jó fazendo o uso de um paralelismo entre o “Sheol” e o “pó”. Paralelismo é a sucessão de partes do discurso que tem entre si uma relação de similaridade de conteúdo; um encadeamento de funções sintáticas idênticas de valores iguais. Jó identifica o Sheol como sendo a mesma coisa que o pó da terra, ao relacionar ambos na mesma sentença expondo tal paralelismo. Após afirmar que ele desceria ao Sheol, afirma categoricamente que este lugar é o pó (cf. Jó 17:16).

Ainda que os escritores do Antigo Testamento falassem constantemente em Sheol, desacreditavam completamente em qualquer estado intermediário. Talvez seja por isso que o apóstolo Paulo, em suas epístolas, não tenha mencionado absolutamente nenhuma vez a palavra “Hades” – o termo já estava paganizado. Aliás, nem Paulo, nem Tiago, nem Pedro, nem Judas, e nem o desconhecido autor de Hebreus: todos pareciam desconhecer tal palavra, não sendo mencionada em parte nenhuma de suas epístolas. Só há uma única razão mais provável para isso, que é exatamente não querer confundir os leitores dualistas com o sentido pagão de Hades, já em vigor em sua época.

O Sheol também é caracterizado como “a terra das trevas e da sombra da morte” (cf. Jó 10:21,22), onde os mortos nunca mais vêem a luz (cf. Sl.49:20; 88:13). É também, como vimos, a “região do silêncio”, e não de gritaria do inferno ou de louvores do Paraíso (cf. Sl. 94:17; 115:17), para onde caminha a alma rumo ao local do silêncio (cf. Sl.94:17). A ideia de descanso ou sono no Sheol fica evidente no livro de Jó que clama em meio a seus tormentos físicos: “Por que não morri eu na madre? Por que não expirei ao sair dela? [...] Porque já agora repousaria tranquilo; dormiria, e então haveria para mim descanso [...] Ali os maus cessam de perturbar, e ali repousam os cansados” (cf. Jó 3:11,13,17).

No Salmo 141:7 também fica mais do que evidente que Sheol é claramente identificado como sepultura:“Ainda que sejam espalhados os meus ossos à boca da sepultura [Sheol] quando se lavra e sulca a terra”. Até os ossos desciam para o Sheol! Se Sheol fosse um local de morada de “espíritos”, o salmista certamente mencionaria isso, mas além negar tal fato ele acentua que são os ossos que descem ao Sheol, o que nos revela que é um local não de “espíritos”, mas de corpos mortos, que jazem na sepultura.

De igual modo, Davi adverte seu filho Salomão com relação a Simei: Mas, agora, não o considere inocente. Você é um homem sábio e saberá o que fazer com ele; apesar de ele já ser idoso, faça-o descer ensangüentado à sepultura [Sheol] (cf. 1Rs.2:9). Novamente, o original hebraico verte a palavra “Sheol”, e não “sepultura” como a maioria dos tradutores preferiram traduzir. Aqui vemos que alguma pessoa pode descer ensanguetada ao Sheol, o que nos mostra claramente que o Sheol não é uma morada de espíritos incorpóreos, mas sim a própria sepultura, para o qual é o destino dos corpos que morreram (espírito não sangra!).

Por isso, até mesmo o sangue das pessoas descem ao Sheol [sepultura]. Isso explica o porquê que em absolutamente nenhuma parte das Escrituras é mencionado espírito-ruach/pneuma no Sheol/Hades. Este nunca foi algum tipo de “morada de espíritos”! Fica mais do que claro que nenhum escritor bíblico pensava em Sheol como uma morada consciente de espíritos desencarnados, como um local de tormento ou suplício. Se fosse esse o sentido primário de Sheol, então veríamos uma infinidade de passagens bíblicas que relatam tal fato, o que não é verdade. Aliás, nem sequer o elemento “fogo” aparece relacionado em qualquer descrição bíblica do Sheol. Que maneira “estranha” de descrever o inferno!

Portanto, vemos que o Sheol bíblico não é um lugar onde Caim está queimando há seis mil anos até hoje, mas sim uma figura da sepultura, o lugar para onde parte a alma após a morte (cf. Is.38:17; Sl.94:17; Jó 33:18; Jó 33:22; Jó 33:28; Jó 33:30). Sheol é sepulcro, pó, profundezas da terra, morte, vazio, túmulo. Jamais foi morada de espíritos em plena atividade e consciência, em regozijo ou em tormento. Nunca é mencionado tormento no SheolNa parábola do rico e do Lázaro, o que ocorreu foi uma metaforização e personificação dos personagens (Abraão, Lázaro, o rico) bem como do próprio cenário onde se passava a parábola (Sheol), que não exige meios literais.

Prova forte disso é que a própria parábola retrata o rico indo para a sepultura (v.22), e depois mostra ele no Hades (v.23) sem fazer menção de “almas” ou “espíritos”, mas com o seu próprio corpo natural(v.24), o que nos mostra a correspondência entre a sepultura e o Hades, e que nos revela que o que de fato ocorreu foi uma metaforização e personificação própria dos meios de uma parábola, como é no caso de 2ª Reis 14:9 em que as árvores falam.

Entender o significado bíblico e puro de Sheol é profundamente necessário para compreendermos que o que ocorreu em Lucas 16 nada mais foi senão a personificação não apenas dos personagens ali presentes, como também do próprio cenário em que aquilo tudo se passava. Como já vimos, eram corpos físicos que desceram ao Hades na parábola, e conferimos também que o Hades (Sheol) bíblico é a sepultura, que nada mais é senão o local de corpos físicos. A única coisa que muda é a personificação de tais personagens, ganhando vida neste lugar, como um fundo parabólico onde se passa aquilo que realmente Jesus queria ensinar como a lição moral da parábola.


O SIGNIFICADO DA PARÁBOLA

Já vimos que a parábola não pode ser analisada literalmente. Vários fatores corroboram para isso, incluindo o fato de que os personagens possuem corpos reais, com língua, dedo, sentimento de sede, o local onde a parábola se passava e outras parábolas que claramente também não necessitam de meios reais. Observe esta outra parábola bíblica:

“Porém Jeoás, rei de Israel, enviou a Amazias, rei de Judá, dizendo: O cardo que está no Líbano enviou ao cedro que está no Líbano, dizendo: Dá tua filha por mulher ao meu filho; mas os animais do campo que estavam no Líbano, passaram e pisaram o cardo” (cf. 2ª Reis 14:9). Analisando literalmente (assim como fazem com a parábola do Lázaro), cardo e cedro (que são árvores) falam. Creio que a maioria das pessoas concorde comigo que as árvores não falem.

São parábolas, e parábolas são metáforas, alegoria, estória, ficção, que não podem ser classificadas literalmente. Se pretendêssemos usar as parábolas literalmente, deveríamos – usando a mesma lógica que os imortalistas fazem com a parábola do Lázaro – dizer que as árvores também falam e fundamentarmos isso como doutrina. Felizmente, parábolas não são relatos literais, e sim metáforas com uma lição moral.

Sendo assim, podemos ficar tranquilos sabendo que as árvores realmente não falam, pois parábolas não apresentam meios reais, mas apenas lições morais por detrás de um cenário fictício. É evidente que cada elemento na parábola acima de 2ª Reis tinha o seu devido significado e a sua devida lição moral. Nada mais que dois reis: o de Judá (Amazias), e o de Israel (Jeoás) são personificados pelas árvores. Jeoás compôs a parábola para Amazias. Este não a atendeu (cf. 2ª Reis 14:11), e por isso, o povo do “cardo” (Amazias) foi ferido pelos “animais do campo” (exército do “cedro” – Jeoás). A lição da parábola não era que as árvores falam, mas sim uma mensagem aos que lessem a metáfora a partir da personificação de personagens inanimados. A mesma linguagem vemos em várias outras partes da Bíblia:

“Foram uma vez as árvores a ungir para si um rei; e disseram à oliveira: Reina tu sobre nós. Mas a oliveira lhes respondeu: Deixaria eu a minha gordura, que Deus e os homens em mim prezam, para ir balouçar sobre as árvores? Então disseram as árvores à figueira: Vem tu, e reina sobre nós. Mas a figueira lhes respondeu: Deixaria eu a minha doçura, o meu bom fruto, para ir balouçar sobre as árvores? Disseram então as árvores à videira: Vem tu, e reina sobre nós. Mas a videira lhes respondeu: Deixaria eu o meu mosto, que alegra a Deus e aos homens, para ir balouçar sobre as árvores? Então todas as árvores disseram ao espinheiro: Vem tu, e reina sobre nós. O espinheiro, porém, respondeu às árvores: Se de boa fé me ungis por vosso rei, vinde refugiar-vos debaixo da minha sombra; mas, se não, saia fogo do espinheiro, e devore os cedros do Líbano” (cf. Juízes 9:8-15)

Novamente, a lição não era que as árvores ou os espinheiros falem ou dialoguem entre si. Tudo não passava de mera parábola em que as oliveiras, a figueira e a videira representavam aqueles que não quiseram reinar sobre as “árvores” (povo de Siquém). As mais valiosas árvores do Oriente Médio aqui simbolizam os homens principais de Siquém, e o espinheiro era um arbusto farpado comum nas colinas da Palestina e representava apropriadamente Abimeleque, que nada produzia de valor. Os meios eram puro simbolismo e representação comum na Bíblia Sagrada, não eram verdades literais porque nem árvores, nem cedros, nem cardos, nem oliveiras, nem figueiras, nem videiras e nem espinheiros falam!

É óbvio que a única coisa que devemos tirar como verdade literal é a sua lição moral, e não os seus meios. O mesmo deve ser dito com relação à parábola do Lázaro, em que houve uma personificação, vivificação dos personagens ali apresentados (Lázaro, o rico e Abraão) bem como uma metaforização do cenário (Hades) que, como vimos, é puramente sepultura. É comum a Bíblia personificar personagens inanimados.


A PERSONIFICAÇÃO BÍBLICA DE PERSONAGENS INANIMADOS

 “Foram uma vez as árvores a ungir para si um rei; e disseram à oliveira: Reina tu sobre nós” (cf. Juízes 9:8-15)

 “O cardo ... mandou dizer ao cedro ... Dá tua filha por mulher a meu filho” (cf. 2ª Reis 14:9)

 “Disseram então as árvores à videira: Vem tu, e reina sobre nós” (cf. Juízes 9:12)

 “Porque a pedra clamará da parede, e a trave lhe responderá do madeiramento” (cf. Habacuque 2:11)

 “Se eles se calarem, as próprias pedras clamarão” (cf. Lucas 10:40; Mateus 3:9)

 “O ouro e a prata de vocês enferrujaram, e a ferrugem deles testemunhará contra vocês e como fogo lhes devorará a carne” (cf. Tiago 5:3)

 “A voz do sangue do teu irmão clama da terra a mim” (cf. Gênesis 4:10)

 “Quando ele bradou, os sete trovões falaram” (cf. Apocalipse 10:3)

 “Ao sangue aspergido, que fala melhor do que o sangue de Abel” (cf. Hebreus 12:24)

10º “E ouvi o altar responder: Sim, Senhor Deus todo-poderoso, verdadeiros e justos são os teus juízos” (cf. Apocalipse 16:7)

11º “Vejam, o salário dos trabalhadores que ceifaram os seus campos, e que por vocês foi retido com fraude, está clamando contra vocês” (cf. Tiago 5:4)

12º “Então jubilarão as árvores dos bosques perante o Senhor, porquanto vem julgar a terra” (cf. 1 Crônicas 16:33)

13º “Pois com alegria saireis, e em paz sereis guiados; os montes e os outeiros romperão em cânticos diante de vós, e todas as árvores de campo baterão palmas” (cf. Isaías 55:12)

14º “Mas, pergunta agora às alimárias, e elas te ensinarão; e às aves do céu, e elas te farão saber; ou fala com a terra, e ela te ensinará; até os peixes o mar to declararão” (cf. Jó 12:7,8)

15º “Ressoe o mar, e tudo o que nele existe; exultem os campos, e tudo o que neles há!” (cf. 1 Crônicas 16:32)

16º “Os rios batam as palmas; regozijem-se também as montanhas” (cf. Salmos 98:8)

Tudo isso acima tem um nome: alegoria. Tudo tem uma lição moral para aprendermos por detrás de um cenário com personagens inanimados, sem vida, que ganham vida na parábola ou na alegoria que está sendo dita, com a finalidade de ensinar alguma coisa aos ouvintes. Obviamente, essa “alguma coisa” que se quer ensinar aos ouvintes não é o próprio cenário em si ou seus meios (que árvores, rios, altares, trovões, sangue, pedra, ouro ou pessoas após a morte falem), mas sim aquilo que moralmente podemos depreender por meio destas alegorias.

Nada indica que o salmista esteja querendo passar a ideia de que rios batem palmas e as montanhas se regozijam (cf. Sl.98:9), nada indica que Jó queria passar a ideia de que a terra e os peixes falam (cf. Jó 12:7,8), nada indica que João cria que altares e trovões falam (cf. Ap.10:3; 16:7), nada indica Moisés cria que o sangue tem voz (cf. Gn.4:10), nada indica que o escritor bíblico cria que as árvores conversam entre si (cf. Jz.9:8-15; 2Rs.14:9), nada indica que Cristo pensava que as pedras falavam (cf. Lc.10:40), e da mesma forma nada indica que esse mesmo Jesus cria que corpos mortos que desciam ao Hades ganhavam vida literalmente (cf. Lc.16:19-31).

As pessoas se esquecem que é comum a Bíblia personificar personagens inanimados, ainda mais em um contexto parabólico ou simbólico! Biblicamente, as árvores, sangue e trovões falam mais do que os mortos, que, quando falam, é em um contexto claramente metafórico, inserido em um contexto alegórico que dá margens a isso. Os meios de uma parábola nunca podem ser considerados literais e, por isso, o nosso próximo passo a partir de agora é descobrirmos o que representa cada elemento personificado na parábola do Lázaro.


ENTENDENDO A PARÁBOLA

A Bíblia não diz que o rico era um rico ímpio. Diz apenas que era “um homem rico e... morreu” (cf. Lc.16:22). E isso nunca, jamais, em circunstância nenhuma, pode ser considerado um “pecado” digno de lançar uma alma no fogo do inferno. Se fosse assim, então muitos homens por serem ricos deveriam partilhar do inferno também, incluindo Abraão, Isaque, Jacó, Jó, José de Arimateia, etc. Lembre-se que estamos analisando a parábola literalmente, como os imortalistas o querem que façamos para fundamentar uma doutrina bíblica. A parábola diz apenas que era um homem rico. Em momento nenhum diz que era um homem mau ou profano.

E quanto a Lázaro? A situação piora ainda mais para o lado dos imortalistas, pois a parábola diz apenas que ele “era um homem pobre e... morreu”. Ora, jamais poderíamos pressupor que ser pobre ou mendigo é passaporte para a salvação. Não. A Bíblia não ensina, em nenhum lugar, que por ser pobre ou ter sofrido muitas dores, alguém tem a garantia celestial. Isso não é bíblico! E a parábola nada diz de ser Lázaro um mendigo do “bem”, diz apenas ser um mendigo. Pense: se o rico fosse uma representação de todos os ímpios e Lázaro representasse todos os justo (como querem os imortalistas), então não seria estranho que em momento nenhum Jesus dissesse que o rico era ímpio ou que o pobre Lázaro era justo?

Afinal, isso seria da maior fundamental importância caso fosse este o caso que Cristo quisesse ilustrar. Se fosse este o caso, então nos seria dito claramente que o rico era ímpio e o mendigo era justo. Mas isso não nos é relatado, porque, como veremos, não era isso o que Jesus ilustrar. Ademais, se a parábola deve ser analisada literalmente, então deveríamos colocar todos os pobres no Céu e todos os ricos no inferno. Irmão, são parábolas, e parábolas não tem meios reais, jamais podem entendidas literalmente.

Além disso, a parábola nos indica que Lázaro era do pior tipo de gente, com o corpo todo carcomido e cheio de chagas por uma doença terrível, presumivelmente a lepra. A obrigação, por Lei, de qualquer leproso (ou nestas condições do Lázaro da parábola) era de passar longe das demais pessoas e ainda gritar: “Imundo! Imundo!” (cf. Lv.13:44-46). Isto quando não eram apedrejados. Pobres criaturas!

Agora continue imaginando o cenário: um rico, de alta classe, de repente se depara com esse pobre “farrapo” de gente, com cães lambendo as feridas em carne viva, devorada pela lepra. Qual seria sua reação? Deixaria ele comer da comida ou o expulsaria dali? Lembrem-se, pessoas como o pobre Lázaro nem mesmo podiam chegar perto de alguma pessoa da sociedade! Quanto mais comer das migalhas de algum homem rico!

Qual seria sua atitude ao encontrar, na porta de sua casa um leproso, em tamanho avançado grau de enfermidade? Sua reação é uma incógnita, mas a do Rico da parábola, não. Não só o permitiu comer das migalhas, como também não o expulsou dali (o que estaria de acordo com a própria Lei dos judeus) e, além disso, pelo relato percebemos que tal fato deve ter durado dias de benevolência! Portanto, esse Rico da parábola não era um homem mau, mas bom, de coração e inclinado a fazer tal “caridade”.

Ora, se Lázaro por ser mendigo foi para o Seio de Abraão, por que o rico também não foi, uma vez que não é nenhum “pecado” ser rico e esse da parábola demonstrou genuína humanidade? Por que o rico também não foi salvo, se a parábola deve ser analisada literalmente ou se a intenção de Cristo era representar os homens ímpios que vão para o inferno a partir dessa parábola? Se essa fosse a intenção de Cristo, deveríamos esperar que ele narrasse um homem rico completamente desumano, ímpio, ladrão, que merecesse verdadeiramente um inferno para si.

Esperaríamos realmente a descrição de alguém que nem ao menos deixa o pobre comer das migalhas e que ainda o chutaria para fora, ou que consegue a sua riqueza por meios desonestos. Contudo, isso está muito longe de ser o caso! Ademais, se os salvos personificados pelo mendigo conversam com os ímpios no inferno, personificados pelo Rico, imaginemos, por exemplo, que você esteja no Céu, gozando a bem-aventurança, quando, de repente, você ouve gritos, e estes aumentam gradativamente.

Você então contempla seu parente ou amigo no inferno, com o fogo o consumindo por completo, sob gritos e torturas horríveis. Medite: como você se sentiria, vendo-o do lado de lá, um amigo ou parente nesta condição terrível? Afinal, se a parábola deve ser analisada literalmente, então o Céu e o inferno são separados por uma “parede-de-meia”, certo? Ora, é impossível acreditarmos numa coisa dessas, mas tal cenário insuportável é o que deveríamos admitir em caso de aceitar que os meios da parábola são literais.

Selecionei uma lista com apenas vinte de todos os absurdos a que chegaríamos caso fundamentássemos a parábola como uma doutrina bíblica:


ERROS E CONSTATAÇÕES DA ANÁLISE LITERAL DA PARÁBOLA PELOS SEUS MEIOS

 Os mortos partem para o outro mundo não como “espíritos”, mas com o seu próprio corpo com dedos, línguas, etc.

 Os “espíritos” sentem sede (v.24).

3º Ser rico é motivo de ser mandado ao inferno, apesar de ter demonstrado tão grande benevolência para com o pobre Lázaro e a própria parábola nada dizer de que o rico era um homem mau!

4º Ser mendigo é passaporte para o Céu, uma vez que a parábola em nada indica que o mendigo era um homem justo ou que cria no Senhor.

 O Céu e o inferno ficam um bem do lado do outro (veríamos os nossos amigos ou parentes queimando lá do outro lado!).

 Apesar de haver um “abismo intransponível” entre ambas as partes, os salvos podem ficar conversando a vontade com os ímpios que estão queimando no inferno (vs. 25 e 26). A comunicação entre os justos do Céu e os ímpios do inferno é perfeitamente possível (poderíamos ficar conversando com os nossos amigos ou parentes enquanto estes estão entre as chamas de um fogo eterno e devorador).

 É possível falar perfeitamente como em uma conversa normal enquanto queima-se entre as chamas de um fogo verdadeiro (vs. 23-31).

 O mediador não é Jesus, mas Abraão, para atender o chamado do rico (ver 1ª Timóteo 2:5; João 14:6; Efésios 2:18, etc).

 Usando a mesma lógica que os imortalistas usam com a análise literal dos meios de uma parábola, concluímos que as árvores falam (cf. 2ª Reis 14:11).

10º O rico pedia que Lázaro molhasse apenas a língua dele enquanto queimava entre as chamas, ao invés de lhe dar um verdadeiro “banho de água”!

11º Se os mortos justos partem para o “Seio de Abraão” na morte, para onde partiu Abraão quando morreu?

12º Para onde iam os que morriam antes de Abraão?

13º Caim inaugurou o tormento do Hades e está queimando há seis mil anos até hoje.

14º Os meios de uma parábola são reais e, portanto, deveríamos chegar à infeliz conclusão de que Deus é um juiz mau que nem ao homem respeita (meios da parábola de Lucas 18:1-8).

15º Os meios de uma parábola são reais e, portanto, deveríamos chegar à infeliz conclusão de que a Bíblia aprova a prática de administração desonesta (meios da parábola de Lucas 16:1-12).

16º Os meios de uma parábola são reais e, portanto, deveríamos chegar à infeliz conclusão de que Deus é um homem severo que ceifa onde não semeou e ajunta onde não espalhou (meios da parábola de Mateus 25:24).

17º Se o Hades/Sheol é o inferno ou algum local de tormento, então Jacó foi sepultar o seu filho José no inferno (cf. Gn.37:35).

18º Se o Hades/Sheol é alguma “morada de espíritos”, então Davi estava enganando-se a si mesmo e aos outros ao escrever que são os ossos que descem ao Sheol (cf. Sl.141:7 – “Sheol”, no original hebraico).

19º Como explicar que na própria lição moral da parábola (ou seja, o que realmente devemos retirar dela como fonte de doutrina teológica), o personagem Abraão fala em “ainda que ressuscite alguém dentre os mortos” (vs. 30 e 31), confirmando que só a ressurreição é o caminho do retorno de quem morreu à existência?

20º O rico reconhece Abraão (v.23), o que demonstra que tinha familiaridade com ele, mas na própria parábola Abraão cita Moisés (v.29), que é de séculos posteriores.

É evidente, portanto, que se trata de mera parábola e como as outras devemos tirar dela a sua lição moral e não analisá-la literalmente e muito menos podemos sair por aí fundamentando importantes doutrinas bíblicas edificando-as sobre meios de parábolas! Assim como na parábola de 2ª Reis a lição não era que as árvores falam, mas cada elemento tem o seu devido significado, assim também o é na parábola do rico e Lázaro. O nosso próximo passo, então, será desvendarmos o que cada um representava na parábola. Antes, porém, um pequeno adendo para a refutação de outros argumentos imortalistas comumente enfrentados.


                                                     AS CONTRADIÇÕES IMORTALISTAS

As contradições imortalistas – Os imortalistas, ao sustentarem essa parábola como sendo real e literal quando querem refutar os mortalistas, incorrem em uma série de contradições bíblicas com a doutrina deles mesmos. Um dos exemplos mais claros que podemos citar é a interpretação deles sobre o “espírito” que volta a Deus após a morte. À luz da Bíblia, esse espírito nada mais é senão o sopro de vida que volta a Deus após a morte porque provém dEle, mas os imortalistas precisam sustentar que esse espírito que volta para Deus é a própria alma imortal, um ser consciente com personalidade que vai para o Céu imediatamente após a morte.

Sendo assim, a interpretação deles de textos como Eclesiastes 12:7 é de que logo ao morrermos nossa alma deixa o corpo e vai para a presença de Deus. Mas, sabendo que Deus está no Céu, como é que nesta parábola Abraão e Lázaro estavam no Hades, que fica nas profundezas da terra e não no Céu, como o próprio Senhor Jesus deixou claro em Mateus 11:23? Pois ele disse: “E tu, Cafarnaum, será elevada até ao Céu? Não, você descerá até o Hades! Se os milagres que em você foram realizados tivessem sido realizados em Sodoma, ela teria permanecido até hoje” (cf. Mt.11:23).

Se o Hades não é o Céu, mas fica em oposição a este (um está “acima” de nós e outro “abaixo”) e o espírito volta a Deus após a morte (cf. Ec.12:7), como é que Abraão, Lázaro e o rico estavam no Hades na parábola, e não no Céu ou em alguma dimensão celestial? Isso fica claro na própria parábola, que diz:

No Hades, onde estava sendo atormentado, ele olhou para cima e viu Abraão de longe, com Lázaro ao seu lado” (cf. Lucas 16:23)

Como vemos, o rico estava no Hades, e não com Deus nas regiões celestiais. E Abraão, por sua vez, também não poderia estar no Céu, porque estava tão próximo do rico que podia vê-lo e conversar com ele! Se tudo isso se passava no Hades, que para os imortalistas é um local embaixo da terra onde espíritos sobrevivem conscientemente à parte do corpo, como conciliar isso com o texto de Eclesiastes 12:7, que diz que o espírito volta para Deus na morte, e não que desce ao Hades? Na teologia bíblica mortalista é fácil responder a esta pergunta, pois o Hades é uma figura da sepultura para onde vamos ao morrer, e o espírito não é uma “alma imortal” ou um ser consciente e racional à parte do corpo, mas apenas o sopro de vida de Deus.

Mas como os imortalistas interpretam que a alma é imortal e o espírito é uma entidade consciente, teriam que explicar como é que o espírito sobe para Deus, como disse Salomão (cf. Ec.12:7), Jesus (cf. Lc.23:46) e Estêvão (cf. At.7:59), e a alma vai parar no Hades, que é onde estava Abraão e Lázaro nesta parábola. Ou eles interpretam a parábola alegoricamente (como deveriam fazer) ou é a própria teologia deles próprios que vai por água abaixo.

Outra passagem que refuta a interpretação imortalista de Lucas 16 é a de Hebreus 9:27, que diz que imediatamente após a morte segue-se o juízo, e não o Céu ou o inferno. Ou seja: a próxima experiência consciente que alguém desfrutará após a morte será o imediato encontro com o tribunal de Cristo (para os justos) ou o grande trono branco (para os ímpios). Mas nessa parábola contada por Cristo não há qualquer menção ao juízo seguindo-se à morte. Não é nos dito que o rico morreu, foi julgado e depois condenado a sofrer no Hades, mas que ele foi direto para o Hades. Sendo assim, ou o autor de Hebreus errou ao dizer que logo após a morte vem o juízo, ou a parábola não é uma história real contada por Jesus, mas uma alegoria.

Ora, sabemos que este juízo só ocorrerá na volta de Jesus (cf. 2Tm.4:1) e que os ímpios só serão julgados após o término do milênio (cf. Ap.20:11-15), seguindo-se, portanto, que o rico não foi literalmente enviado ao Hades conscientemente para ser atormentado, mas espera o dia do juízo, que é de fato a próxima experiência que alguém tem depois de morrer. Portanto, as verdades literias da Bíblia anulam qualquer possibilidade de essa parábola ser um acontecimento real ou retratar algo que de fato ocorra com alguém após a morte, e de quebra põe a própria teologia imortalista em confusão consigo mesma.


REFUTANDO CONTRA-ARGUMENTOS

A contra-argumentação mais famosa utilizada pelos imortalistas é que, mesmo que Lucas 16 seja uma parábola e não necessariamente precise relatar meios literais, a imortalidade da alma deve mesmo assim ser considerada através desta passagem porque Jesus não iria “confundir” os seus ouvintes judeus incrédulos, que poderiam pensar que realmente aquele estado intermediário existia. Para eles, se aquela descrição da parábola fosse fictícia, isso causaria enorme confusão na mente daquelas pessoas e muitos poderiam tomar aquilo como sendo um retrato da verdade. A vista deste argumento, temos que fazer as seguintes considerações:

 Em primeiro lugar, o povo daquela época, diferentemente do atual, já estava habituado com o uso de parábolas e sabiam que elas não poderiam ser levadas ao pé da letra. Jesus só lhes falava por meio de parábolas (cf. Mt.13:34), e, se eles fossem literalizar cada uma delas, poderiam ter depreendido vários erros teológicos dos quais já constatamos aqui, como, por exemplo, a alegação de que Deus é um juiz ímpio (cf. Lc.18:2), que colhe onde não semeou (cf. Mt.25:24), que obriga as pessoas a irem para o Céu (cf. Lc.14:23), ou que aprova a prática da administração desonesta (cf. Lc.16:8). Mas nunca vemos alguém acusando Jesus por insinuar que ele aprovava a administração desonesta, que colocava um caráter ímpio em Deus ou que não respeitava a nossa própria liberdade. Portanto, podemos perceber claramente que o próprio povo da época entendia que as parábolas não podiam ser interpretadas literalmente. Se eles não faziam isso com as outras parábolas, também não iriam aplicar este princípio na do rico e Lázaro para serem “confundidos”!

2º Em segundo lugar, se Jesus não poderia fazer uso dessa parábola em função da “confusão” que causaria em seus ouvintes, então ele não obteve tanto sucesso, visto que o Hades que ele mencionou era totalmente diferente daquele que é crido hoje pelos imortalistas. Por exemplo, na parábola Céu e inferno ficam lado a lado, já na teologia imortalista ficam em dimensões diferentes. Na parábola, os salvos e os perdidos conversam numa boa, já na teologia imortalista não há contato entre os salvos e perdidos que se foram. Na parábola, o rico tinha um corpo físico com língua, dedos, e sentia sede. Já na teologia imortalista, é apenas um espírito incorpóreo que desce ao Hades. Sendo assim, se este argumento imortalista realmente procede, certamente se volta contra eles mesmos quando analisado mais de perto.

 Em terceiro lugar, temos que ressaltar que Jesus não estava contando essa parábola aos incrédulos (multidão), mas aos seus próprios discípulos. Isso por si só já fulmina com esse argumento imortalista, pois, se Cristo contou essa parábola aos seus próprios discípulos (e estes já estavam muito bem doutrinados por Cristo), não haveria possibilidades de “confundir a multidão” que vivia em trevas. Podemos perceber que Jesus falava em particular com os seus discípulos e não com toda a multidão através da leitura do verso seguinte, que deixa claro que Jesus estava falando “aos discípulos” – Lucas 17:1. Temos que lembrar que o original da Bíblia não continha a divisão por capítulos e versículos, e, portanto, Lucas 17:1 era simplesmente a continuação direta e imediata do relato descrito até o verso 31 em Lucas 16, que deixa evidente que a conversa era entre Jesus e seus discípulos, e não entre Jesus e a multidão.

 E, em quarto lugar, devemos lembrar que seus discípulos, evidentemente, já eram muito bem doutrinados por Cristo, e portanto não teriam qualquer problema com essa parábola. O pastor adventista Valdeci Junior costuma contar aos seus ouvintes uma história semelhante a que Jesus contou em Lucas 16:19-31, dizendo:

«Certa vez, morreram, na mesma hora, em lugares diferentes mas não muito distante um do outro, dois homens. O primeiro era um senhor simples, sem estudos, motorista de ônibus na pequena região onde morava. Era conhecido de todos, principalmente pela má execução de sua tarefa profissional. Era muito, mas muito barbeiro. Foi assim a vida toda, até que morreu em acidente de transito. O segundo homem era o pastor da cidadela.

Pois bem, chegaram na porta do céu praticamente juntos. São Pedro atendeu primeiro o motorista. No questionário de admissão para entrar no céu, quando São Pedro queria saber quem ele era, aquele homem começou a explicar: eu sou aquele conhecido motorista de ônibus, da empresa tal, de tal cidade, e tal e tal... Ah, ta! Disse São Pedro. Você é o motorista barbeiro! “Justamente”, respondeu o homem! Pois bem! Disse São Pedro. Entre! O Céu é todo seu!

O pastor, que estava assistindo a entrevista enquanto esperava para ser também atendido, pensava: “Se este homenzinho foi admitido ao Céu, imagine eu, o pregador”.

São Pedro se virou para o pastor: “Você é o próximo?”

“Sim”, respondeu o pastor, todo empolgado: “Sou o pastor, da mesma cidade deste barbeiro que acabou de entrar...”

São Pedro cortou: “Olha, eu sei quem você é. Infelizmente, você não tem entrada livre ao Céu. Não poderá ficar aqui”.

“Mas como?”, contestou o pastor. “Este homenzinho ignorante, iletrado, que fazia seu trabalho mal feito, que não pregava, que vivia dando prejuízo pra empresa, que sempre deixava todos os seus passageiros tensos e temerosos, vai entrar no Céu, e eu, o pregador, que vivia na igreja, que falava da palavra de Deus, que procurava deixar todos em paz, não poderei entrar?”

“É justamente nesta diferença que está a razão da rejeição de sua entrada em face da admissão do motorista”, respondeu São Pedro.

“Não entendi”, disse o pregador.

O apóstolo porteiro do Céu explicou: “É que enquanto você estava na igreja, com seus sermões sem vida, colocando todos os seus fiéis para dormir, o motorista estava colocando todos os seus passageiros para rezar”»

Depois que ele conta a história, ainda antes de revelar ao auditório qual será o assunto do dia, começa a perguntar às pessoas quais são as lições que elas tiraram desta história. É interessante notar alguns pontos da reação do auditório. Assim que termina a história, os ouvintes sorriem e vão fazendo a lista das lições aprendidas:

“Nem todo o que me diz Senhor, Senhor entrará no reino dos céus”
“Os simples também têm entrada no Céu”
“É melhor a devoção do que o formalismo”
“Ser pastor não garante a salvação”
“O pregador deve fazer bons sermões”
“O Céu não admite só pela aparência”
“As aparências enganam”
“Devemos vigiar e orar”

E por aí vai...

Interessante é que absolutamente ninguém até hoje diz que viu nesta história lições como:

“São Pedro está lá na porta do Céu esperando por nós”
“Antes de entrarmos no Céu teremos que passar por uma entrevista”
“Assim que morremos chegamos ao Céu”
“Pode ser que cheguemos à porta do Céu e não sejamos admitidos”
“A alma é imortal”

Ninguém se escandaliza por isso ou ridiculariza a história. Esperam então que ele introduza o assunto da palestra baseado em alguma das lições que conseguiram tirar dela. Começam a imaginar qual será o tema da noite. Jamais pensam que ele iria falar da parábola do rico e do Lázaro. Ele se aproveitou de uma crendice popular apenas como um cenário onde se passava uma historia inventada, a fim de ensinar algumas lições. Por que?

 O auditório sabe que esta não é uma historia verdadeira.

 Eles conhecem a crendice popular de que quem morre vai pro Céu, e na entrada encontra São Pedro.

 Eles não creem nesta crendice como doutrina. Sabem que isto não é verdade (ele já conhece o auditório e sabe que eles creem como ele crê, sobre o destino do homem após a morte).

 O auditório vai conseguir captar as lições que ele quer ensinar com mais facilidade, pois, através de uma metáfora, está figurando o ensino. Isto é didática. A primeira vez que ele ouviu esta historia, ela foi contada por um palestrante que não cria na imortalidade da alma, para um publico que também não cria. Na ocasião, todos entenderam a mensagem. A questão de mortalidade ou imortalidade nem foi cogitada por ninguém. Não era este o assunto.

Isto foi o que Jesus fez. Ele se utilizou de um cenário popular como um fundo fictício onde se passava a parábola do rico e Lázaro, na qual ele ensinou aos seus discípulos as lições morais que iremos analisar a partir de agora. Isso obviamente não confundiria os discípulos nem a ninguém que entendesse um pouco de Bíblia para saber que a natureza humana é holista, que a morte é a cessação da existência e a ressurreição é o antídoto para a vida eterna, tanto quanto a palestra do pastor Valdeci Junior, que vimos acima, não levou ninguém a tirar a conclusão de que aquela história ensina a imortalidade da alma, nem tampouco chegou a “confundir” alguém.


O SIGNIFICADO DOS ELEMENTOS DA PARÁBOLA

O homem rico representava a nação judaica, que se orgulhava de se auto-considerar “os filhos de Abraão” (cf. Jo.8:33). Eram o povo escolhido de Deus, a nação eleita, sacerdócio real, tinham a Lei de Deus, os Mandamentos, eram os filhos legítimos de Abraão. Deus lhes computou todas as responsabilidades do Reino como os Seus filhos, como a Sua nação eleita.

Contudo, rejeitaram o Messias, rejeitaram o Filho de Deus encarnado, preferiram seguir os seus caminhos e as suas tradições, fundamentando-as na segurança de serem os filhos de Abraão, a nação de Jeová e, portanto, os filhos legítimos do Reino. Em contraste, como eles consideravam os gentios? Os consideravam como os coitados, considerados como cães, imundos e indignos do favor do Céu, pelos judeus. Não foram os “escolhidos de Deus”, eram, portanto, os “Lázaros espirituais”.

Enquanto os judeus receberam tudo de bom nesta vida, recebendo o favor de Deus como a nação eleita e sacerdócio real, para lhes ser computada como justiça, os gentios (representados pelo mendigo Lázaro) eram os “pobres” do Reino. Ficavam para trás, o máximo que faziam era “comer as migalhas” daqueles que faziam parte do Reino, os judeus, representados pelo Rico.

Como o rico, os judeus não estendiam a mão para auxiliar os gentios em suas necessidades espirituais. Permitia apenas comer das migalhas. Cheios de orgulho, consideravam-se o povo escolhido e favorecido de Deus; contudo, não serviam nem adoravam a Deus. Depositavam confiança na circunstância de serem filhos de Abraão, dizendo: “Somos descendência de Abraão” (cf. Jo.8:33), e diziam isso orgulhosamente.

Assim, foram os judeus comparados ao homem Rico da parábola, pelo fato de que possuíam as riquezas do evangelho, mas, no entanto, não cumpriram a vontade de Deus a respeito deles, que era de ser a luz dos gentios. No campo religioso, os pobres gentios pegavam mesmo apenas as migalhas. Uma cena que exemplifica bem esse quadro encontra-se no evangelho de Mateus:

“E, partindo Jesus dali, foi para as bandas de Tiro e Sidom. E eis que uma mulher cananéia, que saíra daquelas cercanias, clamou dizendo: Senhor, filho de Davi, tem misericórdia de mim, que minha filha está miseravelmente endemoniada. Mas Ele não lhe respondeu palavra. E os discípulos, chegando ao pé dEle, rogaram-lhe dizendo: Despede-a, que vem gritando atrás de nós. E Ele respondendo disse: Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel. Então chegou ela e adorou-O dizendo: Senhor, socorre-me. Ele porém, respondendo disse: Não é bom pegar no pão dos filhos e deitá-lo aos cachorrinhos. E ela disse: Sim, Senhor, mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus senhores. Então respondeu Jesus, e disse-lhe: Ó mulher, grande é a tua fé: Seja isto feito para contigo como tu desejas. E desde aquela hora a sua filha ficou sã” (cf. Mateus 15:21-28).

Aquela mulher cananéia (gentios) também queria compartilhar das “migalhas” da mesa, assim como o mendigo Lázaro. Uma descrição perfeita daquele cenário. O que Jesus fez? Elogiou a sua fé. Apesar de ele ter sido chamado para a “casa de Israel”, ficou impressionado com a fé dos gentios, pois “nem mesmo em Israel encontrou tamanha fé”. Aquela gentia contentava-se em comer das migalhas da mesa, como é o caso de Lázaro na parábola.

Outro exemplo disso encontra-se em Mateus 8:5-13. Nesta experiência, o centurião expressou exatamente o que os judeus pensavam dos gentios: “Não sou digno de que entreis em minha casa”(v.8). No entanto, o centurião demonstrou grande fé quando disse: “Diga somente uma palavra e meu criado sarará” (v.8). Jesus curou o servo daquele gentio e publicamente elogiou sua fé com estas palavras: “Nem mesmo em Israel encontrei tanta fé” (v.10), e, por fim, assegurou que muitos gentios irão se assentar na mesa com Abraão (cf. Gl.3:27-29; Rm.10:12).

Apesar de não serem considerados “a descendência de Abraão”, os gentios demonstravam uma fé muito superior do que a dos próprios israelitas! Embora estes fossem “os ricos do Reino”, devendo ser a luz das nações e os reis da terra deveriam caminhar vendo a glória de Deus que paira sobre eles (cf. Is.60:3), não aproveitaram essa sua riqueza. Os gentios, contudo, mesmo sendo os “Lázaros espirituais”, desprezados pelos judeus por não serem os “filhos de Abraão”, demonstraram uma fé muito superior a dos próprios judeus.

No pátio do Templo de Jerusalém havia uma linha demarcatória que, no caso de ali algum gentio passar, morria imediatamente (cf. At.21:29), isso porque eram considerados indignos pelos judeus de cultuar a Deus no Seu Templo. Portanto, Cristo quis ensinar nesta parábola que os judeus (Rico) banqueteavam-se na mesa da verdade, enquanto os gentios (Lázaro), eram como os cachorrinhos que procuravam a todo custo apanhar ao menos das migalhas do evangelho.

E, de fato, eles passaram a fazer parte da mesa de Deus, unidos em “um só povo” (cf. Jo.11:52). Isso serviu de lição moral ao grupo dos fariseus, que eram exatamente aqueles a quem Cristo condenava nesta parábola (v.14,15). A maior prova de que o Rico (nação judaica) recebeu “seus bens em sua vida”, como nos informa a parábola, foi o fato de ter sido chamada para ser o sacerdócio real de Deus na Terra, nação santa, peculiar.

Sobre ela o Senhor dispensou, por séculos, bênçãos sem limites, além de dar-lhes uma terra onde mana leite e mel e, finalmente, deu-lhes o próprio Messias, o Salvador. A reação do rico (judeus), contudo, foi esta: “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam” (cf. Jo.1:11). Os judeus, portanto, rejeitaram o Messias (o Rico morre). Assim sendo, perderam a soberania divina sobre as demais nações.

O evangelho haveria de ser então anunciado em seu poder aos gentios (Lázaro), a fim de que também eles participassem da mesa do Reino. Não comeriam mais migalhas da mesa do Senhor, mas fariam parte do banquete do Reino (cf. Lc.13:29). O que Jesus faz? Ele tira do próprio Abraão, sobre o qual aquela nação judaica se orgulhava em sua chamada “superioridade”, as palavras que este haveria de ter dito em pessoa: “Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite” (cf. Lc.16:31).

Essa é a lição moral da parábola. Nada, nem mesmo uma ressurreição, poderia converter aquela nação novamente. Tornaram-se cegos espirituais, cavaram-se a si mesmo um abismo intransponível entre eles e Deus, entre eles e a salvação (cf. Lc.16:26). A parábola, portanto, não deve ser interpretada literalmente pelos seus meios fundamentando-a como doutrina, pelo contrário, tem cada elemento o seu devido significado ao exemplo das outras parábolas que também não apresentam meios literais, mas uma verdade moral por detrás de um cenário fictício.

Ele contou a parábola do Rico e do Lázaro, em que o homem rico representava o próprio povo judeu que teve todas as oportunidades nesta vida, mas a desperdiçou, enquanto, em contraste, os gentios (representados por Lázaro na parábola) eram os “Lázaros espirituais”, desprezados pelos judeus, mas que desfrutariam de muito maior bem-aventurança do que a própria nação judaica que se autoproclamava os “filhos de Abraão”. O quadro todo representava aquela nação judaica que se orgulhava por serem os filhos de Abraão escolhidos de Deus (representados pelo Rico), quando, na verdade, os que são da fé é que são os verdadeiros filhos de Abraão (representados pelo pobre Lázaro), como disse o apóstolo Paulo: “Estejam certos, portanto, de que os que são da fé, estes é que são filhos de Abraão” (cf. Gl.3:7).

Por fim, a lição moral da parábola é que, “se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite” (cf. Lc.16:31). Os fariseus desprezavam Jesus, não acreditavam nele, o perseguiam, apesar de todos os feitos milagrosos de Cristo, incluindo o de ressuscitar os mortos. Jesus havia ressuscitado exatamente um homem chamado Lázaro (cf. Jo.11:43,44), que havia voltado à vida após quatro dias em que esteve morto, mas nem mesmo assim os fariseus acreditaram nele, e ainda continuavam a o perseguir!

Os que não escutam Moisés e os profetas também não vão acreditar em Cristo, nem mesmo se os mortos ressuscitarem. De fato, essa verdade foi ainda mais ressaltada pela reação dos dirigentes dos judeus quando Jesus ressuscitou Lázaro, no relato de João 11. Ao invés de eles passarem a acreditar em Cristo, começaram a persegui-lo ainda mais do que antes:

“Depois os principais dos sacerdotes e os fariseus formaram conselho, e diziam: Que faremos? Porquanto este homem faz muitos sinais. Se o deixarmos assim, todos crerão nele, e virão os romanos, e tirar-nos-ão o nosso lugar e a nação (...) Ora, os principais dos fariseus tinham dado ordem para que, se alguém soubesse onde ele [Jesus] estava, o denunciassem, para o prenderem” (João 11:47-48,57)

“E os principais dos sacerdotes tomaram a deliberação para matar também a Lázaro; porque muitos dos judeus, por causa dele, iam e criam em Jesus” (João 12:10-11)

Então, Cristo ensina que para aqueles que se proclamavam os “filhos de Abraão”, nenhuma prova – nem mesmo sequer uma ressurreição, como foi a de Lázaro – os fariam mudar de opinião e converter-se. O próprio Abraão que os condenava!

Jesus não estava dizendo que literalmente algum morto teria que voltar a vida para contar sobre os tormentos do Hades, convertendo assim aquela nação judaica, pois a Bíblia traz um relatório de sete pessoas que foram levantadas dentre os mortos (cf. 1Rs.17:17-24; 2Rs.4:25-37; Lc.7:11-15; 8:41-56; At.9:36-41; 20:9-11), mas absolutamente nenhuma delas teve uma experiência de pós-morte para compartilhar. Lázaro, que foi trazido à vida após quatro dias morto não teve nenhuma experiência fora do corpo, e muito menos alguma “mensagem” para trazer a família nenhuma.

O que Jesus estava fazendo era uma exortação à comunidade: ouvirem a Moisés e aos profetas (i.e, a Escritura da época), antes que seja tarde demais.  Isso porque as tradições humanas daquele povo já estavam se sobrepondo a “Moisés e os profetas”, já estavam tomando o lugar da Sagrada Escritura (cf. Mc.7:13). Se considerando filhos de Abraão (Rico) que são beneficiados no banquete do Reino de Deus, desprezavam os gentios (Lázaro), que tinham que comer das migalhas que caíam de suas mesas. Mas este quadro estava se revertendo. A partir do período da Graça, eram os gentios que desfrutariam das bem-aventuranças do Reino, ao passo que aqueles que se apoiavam na descendência natural de Abraão seriam condenados pelo próprio Abraão.


CONCLUSÃO

A parábola apresenta através de meios não-literais (fictícios) diversos princípios morais que estavam sendo rejeitados pelos judeus da época de Cristo, em especial o repúdio aos gentios, que haveriam de desfrutar muito maior bem-aventurança que os próprios judeus. Eles “virão do oriente, e do ocidente, e do norte, e do sul, e assentar-se-ão à mesa no reino de Deus (cf. Lc.13:29), junto a Abraão e os patriarcas (cf. Lc.13:28), enquanto os incrédulos ficarão de fora:

“Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, e Isaque, e Jacó, e todos os profetas no reino de Deus, e vós lançados fora. E virão do oriente, e do ocidente, e do norte, e do sul, e assentar-se-ão à mesa no reino de Deus” (cf. Lucas 13:28-29)

O quadro descrito em Lucas 13:28-29 é tipificado na parábola do Rico e Lázaro. Na parábola, o pobre, representando a multidão de gentios convertidos, está ao lado de Abraão (cf. Lc.16:22), exatamente como em Lucas 13:28, ao passo que os incrédulos estão de fora do Reino, o que também é tipificado na parábola (cf. Lc.16:23). Assim como em Lucas 13:28-29, na parábola os gentios convertidos representados por Lázaro desfrutam das bem-aventuranças do Reino como em um verdadeiro banquete, após terem desfrutado apenas das “migalhas” enquanto estiveram aqui na terra (cf. Lc.16:21).

Sendo assim, podemos dizer que a parábola do Rico e Lázaro é uma tipificação do ensino de Cristo descrito em Lucas 13:28-29, mas com maior riqueza de ensinos morais a serem obtidos dela, como vimos acima. Note que o verbo em Lucas 13:28-29 está em todo o momento no tempo futuro. Cristo diz que “haverá” choro e ranger de dentes (v.28), e não que está havendo choro e ranger de dentes. Da mesma forma, diz que muitos virão do oriente e do ocidente para fazerem parte do Reino, e não que já estejam lá (v.29). Eles se assentar-se-ão à mesa de Deus, como em um acontecimento futuro (v.29).

Portanto, aquilo que acontecerá futuramente foi tipificado na parábola do Rico e Lázaro, não de forma literal, mas com a personificação dos personagens ali citados e transmitindo um ensinamento moral aos seus discípulos. A parábola em si não é a descrição de como será o pós-vida, mas uma tipificação desta.  Na parábola é tipificado aquilo que virá a ser, isto é, gentios de todas as nações fazendo parte do Reino junto a Abraão, incrédulos de fora, reforço ao apego às Escrituras (“Moisés e os profetas” – cf. Lc.16:31) e a rejeição à incredulidade dos líderes dos judeus. De fato, à exemplo da lista de lições aprendidas na história do pastor Valdeci Junior, podemos listar também aquilo que aprendemos com a parábola do Rico e Lázaro:

1º Que, diferentemente dos fariseus que pensavam que as riquezas eram um sinal da aprovação divina (e estes eram extremamente apegados ao dinheiro - cf. Lc.16:14), haverão homens ricos (v.19) que estarão de fora do Reino (vs.22-23).

2º Que, diferentemente da crendice popular de que a pobreza e a doença eram coisas do diabo, haverão homens extremamente pobres e doentes que serão salvos (vs.20-21).

3º Que os gentios que na época comiam apenas das migalhas passarão a desfrutar da mesa do Reino de Deus ao lado de Abraão (v.21).

4º Que o simples fato de se apoiar na descendência natural de Abraão em nada significa que é realmente filho de Deus (v.24).

5º Que os que desprezam a Cristo estão cavando para si mesmos um “abismo intransponível” entre eles e Deus (v.26).

6º Que nem todo aquele que reivindica para si mesmo o direito de ser chamado filho de Abraão ou de Deus é realmente um convertido (vs.24-25).

7º Que a ressurreição é o único caminho para quem morreu voltar à existência (v.31).

8º Que até mesmo um grande sinal miraculoso como ressuscitar os mortos não é suficiente para fazer que os descrentes creiam em Cristo Jesus (vs.30-31).

9º Que a oportunidade de salvação se limita ao “hoje”, e não depois da morte, quando nada mais pode ser feito (v.s.24-31).

10º Que a Sagrada Escritura (“Moisés e os profetas” – v.31) é o único meio através do qual um incrédulo pode se se arrepender e se converter de seus maus caminhos.

Na parábola do Rico e Lázaro, Cristo mostra que é nesta vida os homens decidem seu destino eterno, porque, depois, será apenas por meio da ressurreição que voltaremos à existência (cf. Lc.16:31) e seremos ressurretos para a vida eterna ou para a condenação (cf. Jo.5:28-29), de acordo com os atos praticados em vida (cf. 2Co.5:10), sem segunda chance após a morte (cf. Hb.9:27). Durante o presente momento, essa salvação é oferecida por Deus a toda criatura, sem distinção entre ricos e pobres, judeus ou não-judeus. Mas, se os homens desperdiçam as oportunidades se apoiando em tradições humanas antes que nas Escrituras, acabam por si mesmos cavando entre eles e Deus um abismo intransponível.